Tema de nosso artigo recente (Aqui), o imposto sobre transmissão causa mortis e doação (“ITCMD”) voltou aos noticiários nesta semana em decorrência da informação de que um patriarca bilionário, residente no exterior, estaria fazendo doações periódicas aos seus filhos, residentes em São Paulo, doações que somadas montam aproximadamente R$50 Bilhões.
Referido valor, por si só, já chamaria a atenção, mas o grande foco do noticiário é na ausência de pagamento do ITCMD em decorrência dessas doações e a propositura de diversas medidas judiciais evitando o pagamento do imposto. O fundamente dessas ações? A Constituição Federal atribui a lei complementar, não aos Estados, a competência para a regulamentação da tributação do ITCMD sobre transmissões originadas no exterior, sendo certo que referida lei complementar nunca foi editada. Um “vácuo” legislativo.
Em razão desse “vácuo”, os Estados começaram a tributar as transferências patrimoniais gratuitas ocorridas no exterior para residentes no Brasil, ainda que sem competência para tanto e, coincidentemente, está na pauta do Supremo Tribunal Federal (“STF”) julgamento sobre tema, que merece atenção e breves comentários.
O recurso, cuja decisão terá repercussão geral, foi apresentado pela Fazenda do Estado de São Paulo (“FESP”) contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJ/SP”) que reconheceu a incompetência dos Estados para regulamentarem a cobrança de ITCMD sobre transferências patrimoniais ocorridas no exterior.
A Procuradoria Geral da República (“PGR”) – surpreendentemente – opinou pelo desprovimento do recurso da FESP enfatizado que essa competência não é dos Estados.
Sem adentrar em maiores detalhes, os fundamentos trazido no acórdão do TJ/SP, juntamente com o parecer da PGR pelo desprovimento do recurso, apontam para o entendimento correto sobre o tema.
Os Estados não podem se valer de suposta competência plena para legislar, posto que a constituição federal definiu claramente que a incidência do ITCMD será regulada por lei complementar se i) o doador tiver domicílio ou residência no exterior; ou ii) se o falecido titular dos bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior.
Vale destacar que não se pode comparar todos os casos a operações sem substância, com o intuito exclusivo de não se pagar impostos, como por exemplo, nos casos em que o contribuinte muda de domicilio fiscal exclusivamente para fazer as doações aos herdeiros e, em um curto espaço de tempo, todo o patrimônio volta ao Brasil. Nesses casos, a FESP teria argumentos sólidos para desconsiderar a operação. Pelo simples fato de ser uma operação simulada.
A decisão final do Supremo deve sair até 03/11/2020 e nortear as interpretações sobre o tema. Hoje conhecemos o voto do Ministro Dias Toffoli (Relator), que negou provimento ao recurso extraordinário, mas, como sempre no Supremo, fez a surpreendente proposta de “modulação dos efeitos da decisão”, ou seja, a decisão só seria aplicável aos casos que ocorressem a partir da publicação do acórdão do STF. Seja lá o que isso quer dizer.
Ora, apesar de acertada a decisão no mérito da questão, o ônus do vácuo legislativo e insegurança jurídica novamente recairá sobre o contribuinte, caso a proposta de modulação seja mantida pelos demais julgadores. Referida questão deve ser encarada tecnicamente, diferentemente da tentativa da FESP que, sem argumentos técnicos, apela para o argumento da justiça fiscal, que foi “salomonicamente” acolhido pelo relator.
Por isso, nos projetos de Perpetuação Patrimonial recomenda-se, de forma totalmente legal, a utilização de diferentes instrumentos jurídicos internacionais para transferência do patrimônio, a fim de se evitar o vácuo legislativo, insegurança jurídica, e interpretações esdrúxulas.