Conflitos entre sócios de uma empresa costumam prejudicar o bom andamento dos negócios. Apesar disso, muitos desses desentendimentos seguem uma trajetória de escalada e podem culminar com a tentativa de exclusão de um sócio. Para evitar que um conflito societário deságue no Judiciário e que o valor da empresa escorra ladeira abaixo, advogados ressaltam a importância de regular bem o funcionamento da sociedade e a relação entre os sócios.
“Estruturar bem os instrumentos que regulam a sociedade e a relação entre os sócios (tais como contrato social, estatuto, acordo de quotistas ou acionistas etc.) é uma boa forma de reduzir a ocorrência de disputas societárias”, afirma Guilherme Capuruço, sócio do Freitas Ferraz Advogados.
Renato Tavares, sócio do FTA Advogados, considera que o ideal é que essas disputas sejam solucionadas entre os próprios sócios e sem a necessidade de intervenção judicial porque a ação de “exclusão” de um sócio demanda tempo e energia que deveriam ser empregadas no crescimento da sociedade.
Um conflito societário com pedido de exclusão de sócio recentemente se tornou público, conforme noticiado pelo Valor Econômico: a Justiça de São Paulo aceitou pedido de exclusão do cofundador da rede de alimentação Frutaria São Paulo da sociedade controladora (Sociedade Global Frutaria). O sócio excluído irá recorrer.
Ricardo Mafra, Caio Brandão e Antonio Augusto Tiburcio, respectivamente sócio e associados do Vieira Rezende Advogados, dizem que geralmente os desdobramentos dos processos de exclusão são a contestação judicial da exclusão pelo sócio excluído, que busca anular esse ato ou contesta o valor de liquidação das quotas. “Esse tipo de litígio, obviamente, cria uma instabilidade societária que pode atrapalhar a condução dos negócios. Por outro lado, a exclusão também viabiliza o afastamento de um sócio cuja conduta é prejudicial à sociedade e ao seu negócio”, ponderam.
Quando um sócio pode ser excluído?
Embora a lei (Código Civil) preveja a possibilidade de exclusão de um sócio, trata-se de uma medida drástica e excepcional, aplicável apenas a faltas graves. O ponto que pode gerar discussão é que a lei não conceitua o que é uma falta grave. “O mero desentendimento entre os sócios – a quebra da affectio societatis – geralmente não é considerado como falta grave para fins de exclusão”, afirmam os advogados do Vieira Rezende.
A falta grave costuma estar relacionada a atitudes que colocam em risco a continuidade da empresa, como a concorrência direta do sócio, o furto, a utilização de recursos da sociedade em benefício próprio, a ocorrência de algum tipo de assédio etc. Dada a amplitude do conceito, os advogados consideram que os próprios sócios podem especificar, no contrato social, o que seriam consideradas faltas graves.
Outra possibilidade para reduzir o impacto dos conflitos societários é pela previsão, no contrato social, da possibilidade de exclusão do sócio de forma extrajudicial, por meio de decisão tomada em assembleia pelos sócios ou acionistas. Tavares, do FTA, também lembra que pode ser interessante a existência de um acordo de sócios com regras de compra e venda (put e call options) da participação societária em caso de conflitos, inclusive estabelecendo a forma de remuneração do sócio “faltoso”. “O ideal é que se criem regras que de um lado não incentivem a prática de atos que possam implicar na exclusão, ao mesmo tempo que não impactem no dia a dia da sociedade”, afirma.
Dentre os itens que podem constar do contrato social para evitar que o Judiciário tenha que intervir na dinâmica societária, estão as situações que podem dar ensejo à exclusão, o quórum aplicável às decisões, a forma de exercício do direito de defesa pelo sócio cuja exclusão é deliberada, o critério de liquidação do valor das quotas e a forma de pagamento do valor de liquidação. O detalhamento dessas situações pode tornar desnecessária a intervenção do Judiciário na dinâmica societária, consideram os advogados do Vieira Rezende.
“Quanto maior for o compliance e mais desenvolvida a governança corporativa de uma empresa, menores serão as chances de seus conflitos internos desaguarem numa disputa judicial. Se mesmo assim o conflito ocorrer, uma forma de impedir que seja decidido perante o Poder Judiciário é prever a arbitragem como meio de resolução de disputas”, afirma Capuruço, do Freitas Ferraz.
Na entrevista abaixo, os advogados do Freitas Ferraz, FTA e Vieira Rezende abordam a exclusão do sócio – e explicam também aspectos relacionados ao valor que o sócio excluído recebe por suas quotas.
– A exclusão de um sócio de uma sociedade empresária é uma medida comum? Quando isso ocorre, qual é o valor que o sócio recebe por sua participação?
Guilherme Capuruço: A exclusão de um sócio é uma medida drástica, que compete à sociedade promover mediante prévia deliberação dos demais sócios em reunião ou assembleia, quando o tal sócio pratica um ato de inegável gravidade. Caso o contrato social expressamente autorize, a exclusão de sócio pode se dar extrajudicialmente, ou seja, no âmbito da própria reunião ou assembleia de sócios que a delibere. Se não houver esta previsão, a exclusão somente ocorrerá por meio de decisão judicial (ou arbitral, caso haja cláusula compromissória de arbitragem).
Uma vez efetivada a exclusão, a sociedade deve liquidar as quotas de titularidade do sócio excluído e lhe pagar o respectivo valor. É o que se denomina de haveres do sócio. Salvo disposição contrária em contrato social, a avaliação dos haveres deve ser feita com base na situação patrimonial da sociedade no momento da exclusão por meio de um balanço promovido especialmente para esse fim. Eventualmente, o valor a ser pago pela sociedade ao sócio excluído pode ser compensado com os prejuízos que a falta grave praticada por ele tiver causado à sociedade.
Renato Tavares: O Código Civil regula a exclusão do sócio por falta grave ou incapacidade superveniente. Além dessa hipótese conhecida como exclusão judicial, o Código Civil também permite a chamada exclusão extrajudicial, desde que o contrato social possua dispositivo específico a respeito, inclusive com as hipóteses de exclusão. No caso de exclusão, silente o contrato social sobre a forma de pagamento dos haveres sociais, a sociedade deverá levantar um balanço na data da saída, e calcular os haveres com base no patrimônio líquido da sociedade.
Sobre a regra de cálculo dos haveres (no silêncio do contrato social), muito se discutiu sobre a forma de cálculo e a jurisprudência acabou pendendo para duas posições: de um lado alguns julgados entendiam que a regra geral deveria ser o valor da sociedade na data da saída com base no patrimônio líquido; enquanto outros defendiam o cálculo com base na expectativa de rentabilidade futura (fluxo de caixa descontado). Essa discussão foi objeto de alguns recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, atualmente, possui entendimento no sentido que o cálculo deve considerar o valor da sociedade com base no patrimônio na data da saída, sem considerar qualquer expectativa de rentabilidade futura.
Importante notar que essas disposições são destinadas às sociedades simples e limitadas, contudo, a jurisprudência admite a exclusão por justa causa no caso de sociedades anônimas fechadas ou de pessoas.
Ricardo Mafra, Caio Brandão e Antonio Augusto Tiburcio: Apesar de a exclusão de sócio ocorrer com certa frequência no mercado, havendo inclusive um relevante conjunto de decisões judiciais sobre o tema, pode-se afirmar que se trata de uma situação extraordinária na dinâmica societária. Portanto, não é possível dizer que se trata de uma situação comum, mas sim de uma medida excepcional que a lei previu para lidar com o sócio que comete falta grave, em prejuízo à sociedade.
Quando o sócio é excluído, ele tem direito a receber o valor de liquidação de suas quotas. Esse valor deve ser calculado de acordo com as regras dispostas no contrato social. Se o contrato for omisso quanto ao critério de avaliação para a liquidação das quotas, o Código Civil determina que deve ser usado o valor apurado conforme balanço patrimonial especialmente levantado para a liquidação das quotas, ao passo que o Código de Processo Civil determina que deve ser usado o valor apurado conforme balanço de determinação, avaliando-se os itens do ativo e passivo a preço de saída.
A divergência da redação entre o Código Civil e o Código de Processo Civil a respeito da avaliação das quotas do sócio excluído é, atualmente, uma das maiores fontes de incerteza jurídica no processo de exclusão do sócio e pode ser explicada pelo desenvolvimento da jurisprudência sobre o tema da liquidação de quotas ao longo do tempo. Há tempos, a jurisprudência tende a entender que, não obstante a regra do Código Civil, os ativos devem ser avaliados a preço de saída ou de mercado (não por custo de aquisição) na liquidação de quotas, devendo ainda levar em consideração os ativos intangíveis da sociedade, incluindo-se no cálculo, muitas vezes, até mesmo o “fundo de comércio”, “aviamento” ou “goodwill”.
Isso faz com que a avaliação das quotas reflita algo mais próximo de uma avaliação econômica, que busca avaliar as quotas a partir da capacidade da sociedade de gerar lucros a partir dos seus ativos. Contudo, não há uma metodologia bem definida ou critérios previsíveis, o que gera incertezas e casuísmo. Nessa linha, a aplicação do método do fluxo de caixa descontado não costuma ser admitida pela jurisprudência, ao mesmo tempo que, em alguns casos, os peritos calculam o valor do “fundo de comércio” ou do “aviamento” justamente pelo fluxo de caixa descontado. Na prática, concebeu-se algo no meio do caminho entre uma avaliação patrimonial e econômica, especificamente para apuração de haveres, que é o tal “balanço de determinação” mencionado no Código de Processo Civil.
– Em quais situações um sócio pode ser excluído de uma sociedade? O descumprimento de cláusulas de concorrência, por exemplo, pode levar a isso?
Guilherme Capuruço: Meras desavenças e divergências de opiniões entre os sócios, ou mesmo a vontade da maioria dos sócios, não autorizam a exclusão de um sócio. Em qualquer hipótese de exclusão – seja judicial (ou arbitral), seja extrajudicialmente – é preciso que o sócio cometa uma falta grave no cumprimento de suas obrigações. A lei não especifica quais atos são caracterizados como falta grave, apenas os qualifica como sendo aqueles que colocam em risco a continuidade da empresa.
Por isso, a análise da configuração da falta grave para fins de exclusão de sócio deve ser feita no caso concreto, sopesando a incompatibilidade da conduta praticada com a condição de sócio. Para orientar essa análise, a literatura jurídica procurou listar atos que possam ser considerados como falta grave. A prática pelo sócio de atos de concorrência com a sociedade – tais como desvio de clientela, usurpação de oportunidades comerciais e aliciamento de funcionários – é justamente uma das condutas consideradas típicas para exclusão de sócio. É considerada a falta grave por excelência, na medida em que fere o dever de lealdade do sócio e prejudica diretamente a sociedade.
Renato Tavares: A lei não delimita o que seria falta grave, tratando-se de conceito jurídico aberto ou vago. A falta grave que justifica a exclusão é aquela que coloca em risco a continuidade da sociedade. Diversas são as hipóteses que podem ser consideradas como falta grave, destacando-se entre as mais comuns: a concorrência de um sócio diretamente com a sociedade; o furto de bens e valores da sociedade; utilização de recursos (materiais e pessoais) da sociedade em benefício próprio; assédio, dentre outras.
Ricardo Mafra, Caio Brandão e Antonio Augusto Tiburcio: O sócio pode ser excluído se comprovado o cometimento de falta grave. Não há na lei uma definição do que seria falta grave, mas usualmente considera-se como um ato do sócio em prejuízo da própria sociedade, como a apropriação indevida de seus bens ou oportunidades comerciais, concorrência desleal, desvio de recursos, utilização indevida de suas informações, dentre outras hipóteses possíveis.
O mero desentendimento entre os sócios – a quebra da affectio societatis – geralmente não é considerado como falta grave para fins de exclusão. Embora a maioria dos contratos sociais não defina o que se considera falta grave, nada impede que os sócios, de modo a afastar a incerteza jurídica, enumerem no contrato social situações que podem caracterizar falta grave. Destaca-se ainda que os julgados mais recentes sobre o tema têm respeitado a decisão dos sócios sobre a definição de “falta grave”, preservando-se a intenção do legislador em estabelecer um conceito aberto e abstrato e evitando-se, assim, uma maior intervenção do Judiciário.
– Há alternativas para mitigar o risco desse tipo de conflito societário e para evitar que caiba ao Judiciário decidir sobre o futuro da sociedade?
Guilherme Capuruço: Muitos dos conflitos societários surgem a partir da assimetria de informações entre os sócios e administradores. Estruturar bem os instrumentos que regulam a sociedade e a relação entre os sócios (tais como contrato social, estatuto, acordo de quotistas ou acionistas etc.) é uma boa forma de reduzir a ocorrência de disputas societárias.
Regras sobre direitos e obrigações de sócios e administradores, entrada e saída (por retirada ou exclusão) de sócios, sucessão entre os sócios, critérios de avaliação de quotas, quóruns e exercício do direito de voto, por exemplo, devem estar previstas de forma clara e objetiva nestes instrumentos.
Quanto maior for o compliance e mais desenvolvida a governança corporativa de uma empresa, menores serão as chances de seus conflitos internos desaguarem numa disputa judicial. Se mesmo assim o conflito ocorrer, uma forma de impedir que seja decidido perante o Poder Judiciário é prever a arbitragem como meio de resolução de disputas. Nessa hipótese, o conflito será processado perante uma câmara arbitral, decidido por árbitros escolhidos pelas partes e, regra geral, o processo tramitará sob sigilo, ou seja, ficará restrito entre as partes envolvidas e seus advogados.
Renato Tavares: Os sócios podem estabelecer as regras de exclusão extrajudicial no próprio contrato social. Podem também celebrar um acordo de sócios com regras de compra e venda (put e call options) em caso de conflitos, inclusive estabelecendo a forma de remuneração do sócio “faltoso”. O ideal é que se criem regras que de um lado não incentivem a prática de atos que possam implicar na exclusão, ao mesmo tempo que não impactem no dia a dia da sociedade.
Ricardo Mafra, Caio Brandão e Antonio Augusto Tiburcio: O Código Civil permite que o contrato social preveja a possibilidade de a exclusão ser decidida pela assembleia de sócios, configurando uma exclusão extrajudicial. Caso o contrato permita esse tipo de exclusão, os sócios representando a maioria do capital (ou outro quórum que tenha sido previsto no contrato social) podem deliberar pela exclusão do sócio que tenha cometido falta grave. Para impedir que o Judiciário tenha que intervir na dinâmica societária, é importante que o contrato defina de forma detalhada quais situações podem dar ensejo à exclusão, o quórum aplicável, a forma de exercício do direito de defesa pelo sócio cuja exclusão é deliberada, o critério de liquidação do valor das quotas e a forma de pagamento do valor de liquidação.
– Quais costumam ser as consequências desse tipo de conflito societário para as empresas?
Guilherme Capuruço: Conflitos societários são extremamente deletérios ao negócio da empresa, seja pelo tempo de processo até decisão final, seja pelos altos custos que demandam um processo desse tipo, seja pelo enfraquecimento da relação entre os sócios que nutre a sociedade (a chamada affectio societatis). Uma importante empresa de consultoria empresarial concluiu em pesquisas que sete a cada dez sociedades constituídas no Brasil acabam se encerrando devido a conflitos societários. Nesse sentido, é uma vantagem relevante prevenir desavenças que poderiam iniciar uma disputa entre os sócios e levar ao encerramento prematuro do negócio. E uma vez instaurada a disputa, saber quais são os instrumentos adequados para resolução, bem como as regras do jogo, também é altamente recomendável.
Renato Tavares: Esses conflitos prejudicam a sociedade, afetando as operações, além de tornar público um conflito que deveria ser resolvido somente entre os sócios. Enquanto os sócios brigam, a sociedade acaba sendo afetada. O ideal é que essas disputas sejam solucionadas sem a necessidade de intervenção judicial, uma vez que a ação de “exclusão” demandará tempo e energia de todos os envolvidos, que deveria ser empregada no crescimento da sociedade.
Ricardo Mafra, Caio Brandão e Antonio Augusto Tiburcio: As consequências dependem da situação em concreto. De forma geral, um desdobramento usual do processo de exclusão é a contestação judicial da exclusão pelo sócio excluído. É comum que se busque a anulação da exclusão ou a contestação do valor de liquidação das quotas. Esse tipo de litígio, obviamente, cria uma instabilidade societária que pode atrapalhar a condução dos negócios. Por outro lado, a exclusão também viabiliza o afastamento de um sócio cuja conduta é prejudicial à sociedade e ao seu negócio. Por isso, apesar dos custos que uma exclusão impõe à sociedade e seus sócios, ela pode ser a melhor solução nos casos em que a continuidade da sociedade é prejudicada pela conduta de um sócio.
Além dos litígios entre os sócios, a liquidação das quotas pode, a depender da avaliação adotada e do valor resultante, criar um problema de fluxo de caixa para a sociedade, que é a responsável por pagar os haveres ao sócio excluído.