Em dezembro de 2020, o Supremos Tribunal Federal (STF) fixou tese de repercussão geral no sentido de que a preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.
Referido fundamento, embora aceito e defendido por muitos em nossa sociedade, muitas vezes não reflete o cotidiano de nossa sociedade, uma vez que a existência de famílias simultâneas é uma realidade, situação na qual uma pessoa casada ou em união estável constitui uma nova união estável concomitante.
E diante de tal realidade, os projetos de Perpetuação Patrimonial precisam enfrentar esse fato. Entretanto, nosso ordenamento jurídico não tem regulamento esse fato e, ao considerar o assunto, impõe inúmeras restrições ao reconhecimento da união simultânea.
Sem adentrar em questão não jurídicas sobre o assunto, o que não é o foco deste breve artigo, merece atenção o dano social que referidas lacunas e restrições legais têm causado. Isso porque, muitas vezes um terceiro de boa-fé, sendo infelizmente na maioria das vezes a companheira que cuidou do lar e desconhecia que o companheiro tinha um casamento ou outra união estável, fica desamparada (o) com a morte do companheiro, visto que somente a “outra família” fará jus ao recebimento da herança e/ou previdência.
Além disso, em alguns casos em que há filhos fruto dessa segunda relação, verifica-se nos planejamentos sucessórios diversas tentativas de fraude à herança legítima desses herdeiros, visando beneficiar os filhos da primeira união ou vice-versa.
Importante também destacar que a lei reconhece serem anuláveis as doações do cônjuge casado e adúltero para sua companheira da segunda relação, além de não poderem ser nomeados como herdeiros nem legatários o concubino do testador casado, sendo referido mecanismo não indicado para equalizar a situação patrimonial das duas uniões
Enfim, referido tema gera inúmeras discussões por questões morais e culturais, mas não pode ser descartada a análise da questão social de terceiros de boa-fé, podendo referida situação ser devidamente endereçada em correto projeto de Perpetuação Patrimonial.