Credores podem questionar aspectos ilegais dos planos, mas não as questões econômicas
Com os aumentos dos casos de pedido de recuperação judicial (RJ), cresce também o potencial descontentamento de credores com os planos de RJ apresentados pelas empresas, alegando descontos excessivos no pagamento das dívidas. Foi o que aconteceu recentemente, quando credores da Americanas contestaram o plano de RJ da empresa antes mesmo do início do prazo formal para tanto, conforme noticiado pelo Valor Econômico.
No entanto, embora contem com a possibilidade de contestar os planos de RJ, esse tipo de contestação só prospera caso haja ilegalidades. Quando há objeções dos credores ao plano de RJ apresentado pela empresa, uma assembleia geral de credores (AGC) é convocada para aprovar ou rejeitar o plano. Renato Tavares, sócio do FTA Advogados, explica que se trata de um procedimento pro forma que visa cumprir as exigências legais: “O devedor, via de regra, apresenta um plano distante da versão final, e os credores apresentam objeções visando a convocação de assembleia. Essas objeções, inclusive, não servem de norte para qualquer decisão posterior.”
Tavares lembra que, na votação dos planos de RJ, a vontade da maioria deve prevalecer e é impositiva a todos os credores, incluindo aqueles que votaram de forma contrária ao plano. “Importante notar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem consolidado o entendimento que não cabe ao Judiciário analisar aspectos econômicos do plano, tais como taxa de desconto, prazo de pagamento, índices de correção, mas tão somente a existência de ilegalidades, que afetam a própria validade do negócio jurídico.”
Na entrevista abaixo, Tavares explica como funcionam as contestações aos planos de RJ – e como ocorrem as votações.
Para que servem e o que são as contestações ao plano de recuperação judicial, que podem ser apresentadas pelos credores?
Renato Tavares: O plano pode ser “contestado” em três momentos distintos. A primeira oportunidade ocorre após a apresentação do primeiro plano de recuperação judicial (RJ), e tem como efeito prático tão somente a convocação da assembleia geral de credores para votar (ou rejeitar) o plano.
Na verdade, é um procedimento pro forma que visa cumprir as exigências legais. O devedor, via de regra, apresenta um plano distante da versão final, e os credores apresentam objeções visando a convocação de assembleia. Essas objeções, inclusive, não servem de norte para qualquer decisão posterior.
A segunda oportunidade foi criada com as alterações na legislação promovidas em 2020, com a inclusão da possibilidade de apresentação de plano de RJ pelo devedor, acompanhado de termo de adesão por credores aprovando o plano. Nessa hipótese, a assembleia de credores é dispensada, sendo facultado aos credores apresentarem oposição ao plano.
A terceira hipótese se dá após aprovação em assembleia e homologação do plano pelo juízo que preside a RJ, oportunidade em que os credores podem recorrer da decisão que homologou o plano apontando eventuais ilegalidades existentes.
Importante notar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem consolidado o entendimento que não cabe ao Judiciário analisar aspectos econômicos do plano, tais como taxa de desconto, prazo de pagamento, índices de correção, mas tão somente a existência de ilegalidades, que afetam a própria validade do negócio jurídico.
Além dessas objeções constantes da lei, os credores também podem tentar demonstrar ao próprio juízo que preside a RJ eventuais ilegalidades e tentar evitar a homologação do plano ou que tal ato seja feito com ressalvas, o que evitaria o recurso ao tribunal para reformar a decisão. Por fim, podem ainda os credores rejeitar o plano e aprovar a apresentação de plano pelos próprios credores, sendo esta uma forma indireta de contestar o plano.
Nos processos de recuperação judicial, quais são as condições para que os planos de recuperação sejam aprovados? Quem vota e quais são os percentuais de aprovação?
Renato Tavares: O plano de RJ (apresentado pela empresa devedora) deverá conter a discrição detalhada dos meios de recuperação, demonstração da viabilidade econômica e ser acompanhado de laudo de viabilidade econômica e de avaliação dos bens e ativos. Sua aprovação pode ocorrer em 3 cenários: aprovação pela assembleia geral de credores, respeitado o quórum de votação exigido pela legislação; concessão da RJ pelo juiz onde a mesma é processada, caso o plano de RJ não seja aprovado pelo quórum previsto na legislação (cram down); e aprovação do plano de RJ mediante adesão realizada pelos credores, por escrito, sem a necessidade de assembleia geral de credores (respeitados os mesmos quóruns exigidos para aprovação em assembleia).
Na assembleia geral de credores convocada para deliberar sobre o plano de RJ votam os credores detentores de: créditos decorrentes da legislação do trabalho e acidentes do trabalho; créditos com garantia real; quirografários; e créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte.
Para ser aprovado, o plano deve contar com aprovação de credores que representem mais da metade dos créditos dos credores titulares de créditos com garantia real e quirografários, e maioria simples dos credores presentes, bem como maioria simples dos credores presentes detentores de créditos decorrentes da legislação do trabalho e enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte.
Poderá ainda o juiz conceder a RJ, caso o plano não seja aprovado pelos quóruns indicados acima, desde que obtenha: voto favorável de credores que representem mais da metade dos créditos presentes à assembleia; a aprovação de três das classes de credores; e na classe que houver rejeitado o plano, o voto favorável de mais de 1/3 dos credores (cram down).
O que acontece caso o plano seja reprovado?
Renato Tavares: Em caso de reprovação do plano, na mesma assembleia, o administrador judicial deverá submeter à votação a concessão de prazo de 30 dias para que os credores apresentem plano de RJ elaborado pelos credores. Na hipótese de rejeição do plano de RJ da empresa devedora e dos credores ser rejeitado, a RJ deverá ser convolada em falência.
Para os credores descontentes com eventual aprovação de plano de recuperação judicial, há outras saídas além da aceitação das condições impostas?
Renato Tavares: A legislação prevê que a vontade da maioria, respeitados os quóruns de votação, deve prevalecer, sendo impositiva a todos os credores sujeitos, ainda que votem de forma contrária ao plano. Os credores insatisfeitos podem recorrer da decisão que homologou o plano de RJ, contudo, via de regra, questões econômicas do plano não podem ser objeto de discussão pelo Judiciário, cabendo apenas avaliar eventuais nulidades do plano.
Fonte: Capital Aberto – Link da entrevista