Os problemas identificados na Americanas tomaram conta dos noticiários nas últimas semanas. Tudo começou com informações que davam a entender que havia um problema nos lançamentos contábeis, que, aparentemente não indicavam um problema no caixa da companhia. A isso se seguiu a busca da Americanas por proteção judicial contra seus principais credores e um pedido de recuperação judicial que teve seu processamento deferido na sequência. Junto a tudo isso, “pipocam” notícias de acionistas, grupo de acionistas, representantes de grupo de acionistas, dentre outros, noticiando a intenção de ingressar com ação de reparação de danos em face da própria Americanas, bem como dos chamados “acionistas de referência”, inclusive fora do Brasil.
Diante desse quadro atual, alguém poderia se perguntar: qual seria o resultado prático no caso de condenação da Americanas nessas ações?
Como se sabe, a Americanas ingressou com pedido de recuperação judicial e obteve o deferimento do seu processamento, momento em que todos os créditos existentes na data do pedido se tornam sujeitos aos seus efeitos. Ou seja, somente serão pagos na forma estabelecida no plano de recuperação judicial (salvo a hipótese de conversão em falência ou desistência do pedido). E o conceito de crédito, para fins da recuperação judicial, já se encontra de certa forma consolidado, o que inclui os créditos, ainda que ilíquidos e não vencidos, decorrentes de fatos ocorridos antes do pedido de recuperação judicial, inclusive aqueles por ato ilícito (aqui sem discussão de dolo ou culpa).
Partindo dessa premissa, eventual decisão favorável aos acionistas da Americanas ficará sujeita aos efeitos da recuperação judicial, uma vez que o fato gerador (as chamadas inconsistências contábeis) é anterior ao pedido, e referido crédito não se encontra dentre aqueles não sujeitos aos efeitos da recuperação judicial.
Ou seja, em termos práticos, os acionistas-credores (após eventual decisão) terão seu crédito em face da Americanas pago na forma determinada pelo plano de recuperação judicial para a referida classe e, como consequência prática, reduzem a recuperabilidade de todos os demais credores.
A questão – apesar da aparente complexidade – é um tanto quanto simples: a capacidade de geração de caixa da empresa é limitada (porque, se assim não fosse, sequer seria necessária a recuperação judicial), e é insuficiente para pagamento de todo seu passivo, de forma que se mostrou necessário o pedido de recuperação judicial para adequar esse pagamento, assim como evitar uma corrida desenfreada pelos ativos da Americanas. Dito isso, quanto maior o passivo (representado aqui pelas condenações dos acionistas), menor o valor recuperado por todos os credores, que dividem a geração de caixa. O tamanho do bolo é único; a fatia de cada um é que vai ficando menor.
Somam-se também os custos para defesa dessas ações, que reduzem o valor a ser recuperado por todos os credores – como a geração de caixa é limitada, a ampliação das despesas implica em menor disponibilidade de recursos para pagar credores, ou até para a própria reestruturação da empresa. O raciocínio é sempre circular.
Isso sem contar que os créditos desses acionistas, muito provavelmente, não serão líquidos até eventual votação do plano de recuperação judicial, fazendo com que eles sequer votem no plano a ser apresentado (fato que pode ser alterado mediante eventual pedido de reserva de crédito).
Ademais, não seria de estranhar que os “credores atuais” (que já possuíam créditos líquidos na data do pedido), negociem no plano a subordinação do pagamento desses credores-acionistas ao pagamento total, ou de grande parte, dos créditos dos “credores atuais” – o que pode ocorrer, já que, como dito anteriormente, os credores-acionistas muito provavelmente sequer votarão na assembleia de credores.
Por outro, lado, como se tem noticiado, a companhia poderá ser objeto de capitalização pelos “acionistas de referência” o que ampliaria a capacidade de pagamento. De fato, esse é um ponto que pode ajudar, mas sem qualquer pretensão de futurologia, o que se tem notícia é que esses recursos serão utilizados para manutenção da operação, e não para pagamento direto dos credores, que é o que ocorre na prática.
Adicionalmente, não se sabe ainda se essa capitalização será de fato via equity ou dívida. Caso ocorra via dívida, isso implica na obrigação de pagamento de despesas financeiras, que terão prioridade frente aos demais credores anteriores ao pedido e, mais uma vez, implica na redução da capacidade de pagamento desses mesmos credores (sempre lembrando que a capacidade de geração de caixa é finita), assim como, ao final, na redução de eventuais recursos livres para os acionistas (minoritários ou de referência sem qualquer pretensão).
Ou seja, os acionistas minoritários estão em face de um verdadeiro dilema (do prisioneiro), uma vez que ao ingressarem com a ação acabarão reduzindo a capacidade de pagamento da própria empresa da qual são acionistas, ao passo que aqueles acionistas que não ingressarem com a ação terão a perda de valor percebida – pelo passivo gerado pelos demais acionistas – sem poder se beneficiar de eventual pagamento do crédito na recuperação judicial. Ou seja, a decisão, muito provavelmente, dependerá do primeiro ataque (se é que não ocorreu), que acaba levando aos demais.
Por fim, a falência, ao que tudo indica, em nada beneficiaria os credores, e muito menos os acionistas. A empresa não possui ativos passíveis de alienação. Sua operação se baseia em grande parte no marketplace (que pode e deve migrar para outros competidores) e em lojas físicas que são locadas e que (muito provavelmente) não terão seus contratos renovados. Somado a isso, o acionista na falência é um credor subordinado e somente faz jus ao recebimento do que sobrar após a liquidação de todo o ativo e pagamento do passivo (nesse caso, muito provavelmente nada sobrará).
Ainda é cedo para fazer qualquer previsão, e as variáveis são inúmeras, inclusive com eventual responsabilização de terceiros que não estão protegidos pela recuperação judicial e, portanto, podem ampliar a recuperabilidade dos credores.
O caso ainda terá muitas idas e vindas, e as batalhas jurídicas serão travadas por um longo período.
Agora, respondendo à pergunta formulada no título deste texto, bom, a resposta é que todos pagam a conta.
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